terça-feira, 10 de maio de 2011

Estação Carandiru

A duas semanas atrás tive que fazer um trabalho de faculdade em que a "ideia" era mostrar a mudança ocorrida em um local. 
Poderíamos ter escolhido uma praça e falar sobre os idosos que jogam damas e xadrez durante o dia e nesse mesmo ambiente falar dos "manos" que fumam "um" durante a noite. Mas ao invés disso nós queríamos algo mais desafiador, foi então que pensamos em vários lugares e historias aqui de São Paulo, tais como, cracolândia, edifício Joelma e até mesmo a rua 25 de Março.
Foi então que surgiu a ideia de fazer um trabalho sobre onde foi um dia o Carandiru e o que é hoje.


 O Carandiru foi construído na década de 20 e por mais que possa parecer errado, a Casa de Detenção de São Paulo, assim originalmente chamada, era um presídio modelo e estava apta a atender as normas do código penal brasileiro.
O complexo penitenciário por 46 anos foi o maior da América Latina, chegando a mais 8 mil presos. Mas o massacre de 1992 onde morreram 111 presos foi o "basta" e assim no ano de 2002 o Carandiru começou o seu processo de desativação dando espaço para o que hoje conhecemos de "Parque da Juventude".



Quando eu e meu grupo de amigos da faculdade chegamos lá em uma manhã de sol pensamos em como começar a contar essa historia e quem poderia ser seus frequentadores habituais que também um dia frequentou o Carandiru.
Foi quando encontramos uma senhora sentada em um banco, ao seu lado um bolsa vermelha e uma sacola plástica mostrando claramente haver um saco de pão lá dentro. Vou chama-la de Srª M.

Me aproximei dela e perguntei se ela era frequentadora do parque e se morava próximo a ele. Ela prontamente respondeu que sim. Estávamos diante da pessoa que procurávamos para a entrevista mas não tínhamos ideia de que a historia iria nos pegar de surpresa.

Srª M tem 51 anos e segundo seus relatos viveu na rua quando era jovem. No inicio da conversa ela nos disse que tinha 2 primos e amigos presos no Carandiru e que frequentava o parque para lembrar deles, já que foram vitimas do massacre e que não achou uma boa ideia fazer a praça, porque agora só restou um lugar onde você senta e pensa em tudo o que aconteceu. "Olho para aquelas janelas (antigos pavilhões, hoje Etec's) e não consigo ver outra coisa a não ser as roupas dos presos penduradas e eles com as mãos para fora pedindo socorro"
 Segue trechos da entrevista:

Srª M: Para quem não entende o outro lado da vida, fica difícil entender o que aconteceu aqui. Não venho mais a noite aqui porque da ultima vez sai desmaiada.
Pergunta: Onde estamos sentados agora (entrada do parque) o que era?
SrªM: Era onde a gente passava para ser revistada e era terrível, eu sei que era o dever deles. Mas tinha muita gente de idade que aguardava na fila... era terrível.... eles "punham" espelhos para tudo quanto é lado, manda você tirar toda a roupa.
Pergunta: Era humilhante?
M: A gente já vinha naquela situação. Acho assim, a gente que vinha visitar jamais ia querer prejudicar a pessoa que estava aqui, mas tem uns bicho que acha que trazendo alguma coisa vai passar...é muito difícil de passar, porque tem muitos "pulicia" que é corrupto que ajuda a passar.
P: O que seria interessante ter feito no lugar do presidio além do parque?
M: Uma loja, um shopping...uma coisa para não ficar parado. Meu filho me perguntou o que era aqui. Eu não respondi... aqui sempre foi um parque... então meu filho me disse mas aqui é muito deserto, então não aguentei e contei. Então meu filho me perguntou onde meu tio ficou e onde meu PAI ficou? Respondi, que aqui era uma detenção. Ele me perguntou mais uma vez, então foi aqui que meu tio e meu pai morreram? E eu disse foi. Sai daqui arrasada. Meu marido já tinha cumprido a pena e estava aguardando a liberação, mas morreu no massacre. 
P: Tinha muito detento que estava aguardando essa liberação?
M: Tinha... e a maioria morreu! Deixou família para trás e hoje os filhos estão "tudo" assaltando aqui em Santana.
P: Em uma cela que cabiam 4 eram 8?
M: Tinha cela que tinha mais de 10, um em cima do outro...esperando o outro acordar para poder deitar lá no chão e dormir... eram tratados pior que bicho.







A entrevista foi longa.... mais de uma hora. Muitas coisas relatadas não posso postar aqui porque são delatadoras.
Uma das historias que SrªM nos contou foi de sua sobrinha que tem duas filhas, uma de 8 e uma de 6 e o pai delas esta preso. Nos contou o motivo da prisão são coisas que vemos apenas na tv. Ele abusou das duas filhas e antes de ser preso deixou a esposa cega de um dos olhos. 
Penso em como é possível um pai fazer isso com as filhas. 
Quando uma das menininhas chegou a SrªM disse a ela: Mostra para eles onde o papai machucou? E ela apontou apontou para seu órgão sexual.
Presenciar essa cena foi surreal, a sensação de não estar ali e que estava assistindo algum jornal na tv.

Saimos de lá com um peso nas costas .... um sensação de que reclamamos muito da vida e não damos valor a quase nada. 
Fecho os olhos e ainda consigo ver cada detalhe do lugar, escuto a voz daquela senhora sofrida com tantos fardos para carregar ainda aos seus 51 anos. E o pior de tudo sem perspectiva nenhuma de vida.

17 comentários:

  1. Chocante! Não consigo pensar em palavra melhor agora. É triste mesmo deparar com essa realidade. Não sei pq essa fixação em construir praça em lugar que aconteceu tragédia. A Sra M tem razão, deviam ter construido algo melhor, que deixassem pelo menos as pessoas mais felizes e que não fizessem os familiares dos presos ficarem lembrando daquela triste situação, e triste época de suas vidas. Surreal... =/

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  2. Fiz uma gravação de comercial lá, em 2008. O clima, mesmo com toda reforma e nova estrutura do espaço, é bem tenso.

    Não dá para não lembrar de tudo o que aconteceu e das histórias que ali foram vividas, divididas e enfim.

    Muitas histórias!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Meu nome é Kelly. Sou uma das integrantes do grupo do Rafa. Vcs não fazem idéia de como esse lugar me tocou, pois em vários momentos senti tensão,angustia, tristeza e muita vontade de chorar. Foi uma experiencia que a maioria do grupo sentiu. Infelizmente na minha visão o Carandirú esta mais vivo nas lembranças de todos, o parque mesmo muito bonito, não consegue apagar o que era. A energia daquele lugar nunca esquecerei.

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  5. Fiquei impressionada com a entrevista, principalmente na parte da menininha falando do pai...Realmente não fazemos idéia do que acontece pelo mundo, e cada um vive no seu mundinho. Não me lembro de ter passado pelo local em questão após toda a "reforma", mas acredito que pra quem viveu ali durante a outra realidade, não deve ser fácil.

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  6. Realmente ali era um local de muito sofrimento, uma "mancha negra" no meio da metrópole, um purgatório ao vivo e a cores. O fato de transformar aquele local em um parque foi uma ótima iniciativa, arrancar aquele "câncer" do meio da cidade, eu digo que é um câncer, não pelas pessoas que ali estavam, mas sim pelas condições, pelas historias, pelo sofrimento, agora ficou a ferida aberta e ela demora a cicatrizar, enquanto existirem pessoas como a entrevistada com lembranças e amarguras do lugar esta ferida não ira cicatrizar. Mas futuramente aquele lugar só ira retornar boas lembranças aos que ali frequentam.

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  7. Como sugestão para continuidade do tema, eu costumo dizer que toda historia tem três verdades, a verdade de um, a verdade do outro e a VERDADE ABSOLUTA que esta dificilmente ficamos sabendo, vocês poderiam agora tentar ouvir o outro lado, alguém que participou do Carandiru como um ex funcionário, ou até mesmo um PM que tenha participado do massacre.
    Acima de tudo, Parabéns pelo trabalho, esta muito bom.

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  8. Realmente é absurdo pensar que naquele lugar viviam (sobreviviam) confinados masi de 8 mil homens, isso é a população de uma pequena cidade, e que dentro daquele circo dos horrores aconteciam atrocidades de todos os tipos.
    É triste saber que essa senhora tenha sua vida resumida nessa história, quando poderia ser bem diferente, e dificil de saber se uma praça ou o que quer que seja diminua essa história.

    Parabéns Rafa e sua turma da faculdade.....ótimo.

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  9. Adorei o site de vocês! Muito legal mesmo!
    Acredito que essa sensação que relatam do parque acontecerá o mesmo no local do acidente da aéreo da TAM, em frente ao Aeroporto de Congonhas, pois é uma energia muito triste quando passamos por lá, tanto dos que partiram, como dos parentes que ficaram.

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  10. Ficou muito legal o Blog de vcs!Isso só nos confirma que tudo passa nesta vida, somente a certeza que tudo passa que é permanente. No entanto que tipo de "Implrint" queremos deixar para o Universo?

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  11. Gostei muito da reportagem s/o Carandirú, esse será um assunto q.ficará marcado p/ nós brasileiros. Pessoas q.conviveram de perto c/ a rebelião e presos da época, ficarão sempre relembrando a barbárie q.foi. Aguardo anciosa novas postagens....Bjus

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  12. Boa tarde Pessoal. Minha experiência na "Casa de Pedra" que era um dos apelidos que os detentos a chamavam, foi como visitante, tive um parente e alguns amigos de infância, que por falta de oportunidades, ou mesmo de orientação, acabaram entrando para o mundo do crime, e, nas visitas que realizei ao longo de alguns anos, posso dizer que mais cedo ou mais tarde o "Massacre" ocorrido era inevitável, ou melhor dizendo, questão de tempo. O descaso com as reformas das instalações, que ao longo dos 46 anos pareciam estar se desmanchando, pois as paredes dos pavilhões pareciam queijos suíços. Os detentos sofriam com infiltrações, e banho apenas gelado. Sem dizer que programa socio-educativo praticamente não existia, lembro-me de um comentário de um destes amigos que dizia: "Muleque que cai aqui depois de roubar um frango, sai daqui sabendo roubar um Banco", pois era uma escola do crime. O Poder Público só se preocupava em mandar diariamente comida sem tempero, onde ao receber a comida o detento dentro de sua cela, cozinhava novamente para poder comer. Mas um ponto positivo no Carandiru era a liberdade de religião, onde lá havia tanto celas onde realizavam culto dos católicos, evangélicos, umbanda, etc. Ao menos a fé eles podiam exercer naquele lugar, e para muitos era a única coisa que tinham. Em relação ao massacre, um destes amigos sobreviveu, e só conseguiu porque jogou um corpo de um conhecido (já morto pelas rajadas de metralhadoras da tropa de choque) e evitou desta forma também o ataque dos cães. São muitos relatos que ouvi nestas visitas que fiz, e agora analisando poderiam dar um livro, mas muito já foi feito sobre o tema (livros, filmes, músicas), mas acredito que seja importante frisar que o Carandiru não foi nada além de um sistema penal falido, que não recuperava ninguém, mas sim afundava o individuo num mundo de morte, raiva, ódio indignação e revolta.

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  13. Ótima iniciativa do grupo deabordar um tema tão esquecido por nossa sociedade. Um local que trouxe tantas lembranças ruins para muita gente, tem que se transformar em algo positivo, que traga coisas boas a todos! Parabéns!

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  14. Sou um dos membros do grupo e digo q a experiencia de fazer esse trabalho foi muito boa, Lá vimos q o Carandiru ainda nao morreu pra algumas pessoas mais para outras pessoas o sabem o que foi la mas nao tem nem ideia doque aconetceu. Acho q todos q sabem a historia doque se passou por la quando chega la sente uma grande energia negativa!!!

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  15. Muito do que eu poderia relatar as mídias tanto televisivas quanto escritas já escreveram e / ou documentaram, então o que posso acrescentar aqui que considero relevante seria a experiência que obtive através da leitura do livro “Estação Carandiru” e também conversas informais com amigos meus que tiveram algum tipo de ligação com presos do Carandiru, assim como outros que tiveram algum tipo de contato com policiais que estiveram no massacre.
    Bom, em primeiro lugar, eu recomendo que qualquer um que queira saber um pouco mais, ou melhor, muito mais sobre a Casa de Detenção denominada Carandiru, que leia o livro, pois, o filme baseado no mesmo conta apenas dez por cento do que realmente consta no livro. Ele tem passagens tão impressionantes a ponto de interrompermos a leitura e tentarmos imaginar cenas tão absurdas quanto aterradoras ali descritas, fatos que mesmo que quisessem, não poderiam sequer serem mostrados no filme, pois a censura não o permitiria.
    Quanto aos “papos” informais, amigos já me relataram que conhecidos seus que permaneceram dentro do Carandiru por algum tempo passaram por experiências como ver uma pessoa ser enrolada em um colchão e queimada viva na sua frente, lembra que o cheiro de carne humana queimada é horrível...
    Outro amigo que pertence a ROTA (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) relato – me que um comandante de instrução confidenciou – lhes certa vez que, o dia do massacre fora um dos dias mais felizes de sua vida!
    Resta-nos apenas lembrarmos que ali existia um mundo a parte, com leis próprias, um pedaço do “inferno” no meio da cidade, um "troféu" para um sistema carcerário falído, corrupto e arcaico.
    Parabenizo ao grupo e espero ter contribuído para com um trabalho que trata sem sombra de dúvida de um dos maiores massacres da história mundial.

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  16. Oi Rafa

    Matéria de ótima qualidade !!!!!!!
    Continue sempre assim, cheio de historias !!!

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  17. Rafa e grupo! Parabéns pela iniciativa. Espero que continuem com a proposta do blog para que a gente possa conhecer sempre um pouco mais sobre o país que vivemos. Ás vezes, passamos em frente à alguns lugares todos os dias e nem nos atentamos para sua história e importância.
    Bjossss,
    Vamila

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